A importância democrática do Arquivo Histórico Privado

Pouco se fala sobre a atenção que as instituições privadas dedicam aos seus registros arquivísticos no que se refere a preservação histórica. Você pode estar se perguntando o motivo de uma grande empresa com objetivos comerciais, interessada em maior lucratividade, se preocupar com a construção da memória histórica e social, mas talvez não tenha se atentado a alguns fatos que pretendo explanar nesse humilde texto. 

Com mais de uma década de boa vivência nas entranhas de diversos arquivos privados, posso afirmar com alguma segurança: Não há muita preocupação com o valor secundário na imensa maioria das empresas brasileiras (e até algumas multinacionais). Talvez até essa pouca preocupação com o valor secundário abra um leque de fontes ricas para a historiografia vindoura, já que um registro documental serve de suporte a uma narrativa histórica que pode vir a ameaçar interesses, ou não interessa a uma determinada narrativa ideológica; ou ainda até mesmo pode evidenciar e desnudar um esquema de corrupção por exemplo, mesmo que muitos anos após o ocorrido e prescritos os prazos legais para processos criminais. 

A preocupação principal nesse caso sempre vai ser o valor primário: o contrato que estipula valores, prazos, punições ou a guia que atesta o recolhimento de um tributo, mas de fato não há interesse em entender o que esse documento pode representar para a memória coletiva com o passar dos anos e distanciamento do fato histórico em si. O que esse documento fala sobre o período em que foi criado? O que esse documento fala sobre as relações entre as partes envolvidas, principalmente quando há agentes públicos envolvidos? ou até mesmo personalidades que só com o tempo ganharam relevância histórica? 

Esses arquivos acumulados organicamente, com objetivos primários administrativos, institucionais e não políticos (em um primeiro momento), podem ser uma fonte muito cristalina em entender como o capital atua em conjunto com lideranças políticas (sejam elas neofascistas ou não), e principalmente, como o grande capital pode distorcer a democracia e até mesmo ferí-la de morte. Documentos de uma determinada doação de campanha podem revelar facilmente um lobby oculto que resultou naquela lei que desagrada toda uma classe (geralmente mais baixa); ou ainda uma nota fiscal pode evidenciar um superfaturamento em uma compra pública e por aí vai… 

Só em 2007, historiadores puderam acessar arquivos da GM e Ford e descobriram que 1/3 dos caminhões nazistas foram fabricados por subsidiarias dessas empresas na Alemanha. Não é uma loucura saber que soldados americanos morreram com uma ajudinha de subsidiárias de empresas ianques? E a BMW que chegou a usar 30 mil trabalhadores escravizados durante a guerra? Ou ainda a IBM que forneceu a tecnologia que automatizou o holocausto (Super Interessante, 2020 aqui)?  

E aqui em terras brasileiras, também há extenso material comprovando colaboração de cerca de 80 empresas com o ditador General João Figueiredo no que tange a sufocar greves e movimentos sindicais no fim dos anos 70 e início dos 80 (El País, 2014 aqui). 

Esses exemplos talvez demonstrem uma parte importante de fontes históricas que serviram ou podem servir de material de pesquisa para os historiadores, e é fato que hoje sabe se que empresas colaboraram com o nazismo e em que circunstâncias, muito por conta das fontes privadas, pois como se sabe, os nazistas destruíram muitos documentos de órgãos públicos na ocasião da sua derrocada em 1945, assim como nota-se ausência de registros nos arquivos da época da ditadura tupiniquim nos arquivos públicos, sejam eles militares ou de outros órgãos federais. 

Mas como garantir que o ente privado que pouco se preocupa com a preservação dos arquivos (sejam eles digitais ou físicos), matenha útil esses acervos até que a pesquisa historiográfica ocorra futuramente? 

A conclusão e possível solução que salta aos olhos de um profissional observador é que uma maior intervenção do estado legislando e fiscalizando, pode vir a melhorar a preservação desse tipo de fonte, através de mecanismos que garantam livre acesso a informação e regulamentação técnica e jurídica em instituições privadas, para que no futuro tenhamos condições de lançar mão dessas importantes peças do quebra cabeças histórico e olhar para o passado podendo discernir os nossos erros enquanto humanidade, para que busquemos não repeti-los.  Além disso, fica a provocação para todo nós repensarmos até que ponto devemos deixar que o lucro guie as nossas decisões enquanto sociedade. 

Obs Este texto não necessariamente representa as ideias do meu velho amigo proprietário do blog ahahahah 

Por Leonardo Rego.

Fontes:

MAIS DE 80 EMPRESAS COLABORARAM COM A DITADURA MILITAR NO BRASIL. El País, 2014. Disponível em https://brasil.elpais.com/brasil/2014/09/08/politica/1410204895_124898.html. Acesso em 13/07/2021


OS ALIADOS OCULTOS DE HITLER: AS EMPRESAS QUE COLABORARAM COM O REICH. Super Interessante, 2020. Disponível em https://super.abril.com.br/historia/os-aliados-ocultos-de-hitler/. Acesso em 13/07/2021


MAIS DE UMA DÚZIA DE FORTUNAS EUROPÉIAS TEM LIGAÇÃO COM O NAZISMO. Forbes, 2019. Disponível em https://forbes.com.br/negocios/2019/04/mais-de-uma-duzia-de-fortunas-europeias-tem-ligacao-com-o-nazismo/. Acesso em 13/07/2021