Lei 13874/2019 e Decreto 10278/2020 – Digitalização seguida de descarte?

Em 30 de abril 2019 foi promulgada a Medida Provisória 881 que deu origem a Lei 13874/2020 que  “Institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica”.

Seu artigo 3º e inciso X definem:

Art. 3º  São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal:

X – arquivar qualquer documento por meio de microfilme ou por meio digital, conforme técnica e requisitos estabelecidos em regulamento, hipótese em que se equiparará a documento físico para todos os efeitos legais e para a comprovação de qualquer ato de direito público;    (Regulamento)

Documentos microfilmados são equiparados aos originais desde 1968 (Lei 5433/1968).

O inciso X é regulamentado pelo Decreto 10278/2020 que esclarece sua limitação de abrangência no parágrafo único do segundo artigo:

O disposto neste Decreto não se aplica a:

I – documentos nato-digitais, que são documentos produzidos originalmente em formato digital;
II – documentos referentes às operações e transações realizadas no sistema financeiro nacional;
III – documentos em microfilme;
IV – documentos audiovisuais;
V – documentos de identificação; e
VI – documentos de porte obrigatório.

Portanto, documentos que, por exemplo, estejam em suportes como microfilme ou filme analógico (VHS, 8mm, 35mm etc) não poderão ter seus originais eliminados após digitalização.

O decreto 10278/2020 indica também os casos em que a digitalização pode não ser necessária:

Art. 7º  A digitalização de documentos por pessoas jurídicas de direito público interno será precedida da avaliação dos conjuntos documentais, conforme estabelecido em tabelas de temporalidade e destinação de documentos, de modo a identificar previamente os que devem ser encaminhados para descarte.

Isso pode ser útil no caso de documentos com trâmite e prazo de guarda curtos.

O nono artigo é o que parece mais digno de preocupação para nós arquivistas, pois permite descarte após digitalização, mas vejamos:

Art. 9º  Após o processo de digitalização realizado conforme este Decreto, o documento físico poderá ser descartado, ressalvado aquele que apresente conteúdo de valor histórico.(grifo meu)

Fizeram uso de um atributo bem subjetivo* (“valor histórico”) quando poderiam simplesmente dizer: que apresente prazo de guarda permanente. Pode ser que tenham pensando nos locais onde ainda não há TTD. Ou podem ter deixado frouxo assim para permitir descartes/recolhimentos com base em critérios mais subjetivos. Considerando que o “valor histórico” do documento esteja representado pelo prazo de guarda permanente (que não se limita a isso), documentos com este prazo de guarda não poderão ser eliminados, mesmo após a digitalização.

*Prazos de guarda também podem ser vistos como algo subjetivo quase arbitrário, mas ele tem características interessantes: sua criação é documentada e ele é compartilhado na administração, tornando-se uma regra que será aplicada com alguma precisão. Diferente de decidir caso a caso o que é de valor histórico.

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